1. Introdução. Aspectos bíblicos-teológicos
A pessoa de Jesus Cristo, e todo o seu ensino, implica em uma “fundamental reinterpretação”
da narrativa histórica. Não só depois de sua
encarnação e ressurreição (d.C.), mas também
antes (a.C.), com o que chamamos de anúncios de enredo, onde desde as origens (Gênesis 3.15) uma promessa é feita a humanidade, a de que após a
Criação divina e a Queda dos homens, viria um, que pelo ministério da
reconciliação, traria
Redenção.
Com a direção de Deus pai (Yahweh), e expectativa no Deus
filho (Messias) o povo hebreu surgiu, e a partir dessa ótica a sua educação foi manifestada.
Desde o Tribalismo, no período patriarcal, a formação era realizada, no ambiente familiar, por vias
orais e por meio do exemplo.
Já no desdobramento da história, na Antiguidade, observamos o ensino para a formação dos dirigentes. Esse
movimento é visto nas escrituras, no sermão de Estevão, onde cita a educação de
Moisés dentre os egípcios (Atos 7.22). Após a formação da Torah, a lei; o povo de Deus é
educado, através dela. Deixa-se claro que a orientação não era apenas para
eventos cerimoniais, mas sim para uma vida digna perante o Senhor. Veja o
decálogo (Êxodo 20.1-17).
No período da monarquia, a educação era
pensada pela ótica do estudar, interpretar e copiar; e assim começou-se
a investir em doutores, especialistas da lei. Neste
período, após a chamada "Conquista", o estabelecimento do povo e o "Reino Unificado", diversos salmos foram compostos (A música tem um papel importante,
pedagógica, pegando grandes ideias, e formando prosas sintéticas). Salomão, o
mais sábio dos reis, fomenta a sabedoria, escrevendo diversos provérbios, o
livro de eclesiastes e “um cântico” para sua amada.
A educação voltada à lei do Senhor é vista em sacerdotes e profetas. Ela
envolve a cognição destes homens, estudo e inspiração. Mas antes de tudo, a sua
devoção a Deus. As “palavras” do Senhor, tanto as já escritas, quanto as
declaradas, são vistas no período do cativeiro com
muita atenção, já que após o reino ser
dividido e sucumbido pelo domínio estrangeiro se criou uma expectativa enorme
em relação a restauração de Israel. Paralelamente a isso vemos a ascensão das sinagogas.
Por fim, a educação no antigo testamento
já evidencia uma preocupação com a
aprendizagem das crianças, subdividindo as etapas de aprendizagem. (Um problema recorrente nas sociedades futuras).
Olhando panoramicamente para o novo testamento, se percebe formas de educação já estabelecidas; tanto para a formação do
cidadão romano, quanto para os eruditos judeus, dentre outras. Neste contexto,
Jesus era mestre, desde sempre (Lucas 2.46-47),
e os seus seguidores já percebiam que havia uma
distinta educação em relação às demais, com
relação à forma, ele não ensinava como
os demais, ele tinha autoridade (Mateus 7.28-29), e também o conteúdo em relação ao já estabelecido, sendo o Reino de Deus o seu refrão
mais forte. Era o mais puro conceito de educação cristã.
2. Apropriação da educação pelos primeiros cristãos
Os Pais apostólicos são os discípulos dos discípulos de Cristo. Os seus contextos sociais são
diferentes daqueles que andavam com Jesus. Também a diferença entre os mesmos,
mesmo vivendo em períodos próximos. Por isso devemos ter cuidado com
anacronismos e apropriações histórico-culturais. Após a ascensão do mestre, a
sua igreja já diverge em alguns pontos. Era necessário para todos, a
compreensão do que realmente é fundamental.
A igreja se expandiu, mesmo em tempos de repressão estatal. Além disso,
cismas e heresias se tornaram problemas dentro das comunidades de fé. Então,
era necessário se apropriar da educação, para um melhor serviço cristão. Em
2017, prefacia Alderi Souza de Matos:
“Não encontramos neles as reflexões teológicas profundas - e muito menos
as elaborações filosóficas - que irão caracterizar muitos escritos cristãos
posteriores. Antes, são declarações de uma fé e piedade sinceras, revelando
acima de tudo um interesse pastoral e prático. Sua principais preocupações são
a paz, a unidade e a pureza da igreja”. (p.7)
Em síntese, alguns pais
apostólicos procuraram não dicotomizar a educação,
mas sim se apropriar daquilo que julgavam bom.
Eles não fizeram um gueto, mas procuram a todo
momento um diálogo. Entendiam que o currículo das Artes Liberais era
fundamental para a formação do cidadão-cristão.
A formação “formal” deveria ser a mesma para todos, segundo estes. Mas ao cristão, estes aprendizados deveriam apontar para a glória de Deus, a eternidade. Este deveria ser o grande ponto de divergência. Assim, sem “papel evangelistico” para uma sala de aula, para justificar tudo, as pessoas iriam sentir falta de sentido e significado. Assim, “curiosos”, participaram de uma catequese, formação “informal”, por meio da qual a igreja se responsabilizaria.
2.1 Escolas catequéticas e catedráticas (séculos II a V d.C)
Era necessário a formação de novas escolas, para as novas
problemáticas da época. Os cristãos precisavam se preparar para os ataques que
sofriam. Era necessária uma preparação formal, tanto para as artes liberais, quanto dos escritos
sagrados. Os cristãos precisavam defender a sua fé (apologia).
As escolas catequéticas, nascem com esse intuito. Em
Alexandria, no Egito temos a mais proeminente delas, conhecida como um dos
grandes centros de educação da época. Era a “teologia” cristã, sendo ensinada
pelo arcabouço da filosofia grega. Esse casamento quase "perfeito", ruiu, a partir do método
alegórico aplicado por Orígenes. Era uma tentativa de aplicação do plantonismo ao judaísmo, dando a entender que só é possível compreender as escrituras por uma lente “intelectual” e “obscura”. Já a escola de
Antioquia, na Síria, valorizava o sentido literal do texto bíblico, chamado método-histórico,
caracterizando menos problemas hermenêuticos, a priori.
Já as escolas catedráticas são alinhadas com os prédios das grandes igrejas
que vão surgindo. Elas eram muito bem cuidadas, em vários sentidos, como o de
supervisão, quanto de estruturação. O crescimento dessas escolas fortalece o
seu bispo, tanto de modo político, quanto econômico, elevando o seu próprio
ego. Além disso, era possível que a falta de propósito as instituições pudessem
tirar o foco da formação "religiosa" ali presente.
2.2 A Paidéia Cristã
Havia uma riquíssima tradição greco-romana, e assim percebemos que o cristianismo não se
propaga no vácuo. É nesse enredo que a
paidéia, o mais alto e elevado conceito de
homem, do ideário grego, que o cristianismo se
apropria do termo. Segundo Aranha:
“Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, realmente coincide realmente com o que os gregos entendiam por paidéia. Cada um daqueles termos limita exprimir um aspecto daquele conceito global e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez” (apud Werner Jaeger, 2006, p.62)
Em síntese, era a obtenção do melhor que
a paideia poderia estabelecer, entendendo que
este homem “perfeito”, buscado e valorizado, já andou por aqui, e que os
cristãos prioritariamente, precisam imitá-lo. Essa visão holística, integral, possui adereços
gregos; porém a fisionomia de Cristo, a ser seguida.
2.3 Clemente de Alexandria
Clemente (155-220), era grego, ateniense. Sua educação foi dada a partir
das artes liberais. Tornou-se cristão a partir de seus estudos. Sabe-se pouco
sobre o início de sua vida, mas sabemos que ele procurava os melhores
professores da época, o levando a Alexandria. Clemente sucedeu Panteno, seu
mestre, na escola de Alexandria, e procurou harmonizar a filosofia grega,
principalmente a ética platônica, com a teologia cristã. [Apenas esse assunto
de justiça, em Jesus e Platão, daria uma grande discussão].
Clemente não tinha problemas com a cultura judaica, e nem a grega. Acreditava que poderiam ser normalmente harmonizadas. Por essas e outras foi fundamental para desenvolver o conceito de paideia cristã, por meio de suas atribuições apologéticas. Segundo Clemente:
“No entanto, da mesma forma que um corpo atingido por uma enfermidade
necessita de um médico, aqueles que têm o espírito doente necessitam de um
diretor espiritual que lhe possa prescrever remédios contra as suas paixões;
tem necessidade de um doutor que os instrua, que os faça apreender as máximas
da Santa Doutrina, e ao mesmo tempo em que, com todo cuidado, conduza -os ao
mais alto grau de perfeição através das regras de mais exata disciplina”.
(p.21)
Em sua obra, "O pedagogo", Clemente enfatiza a necessidade de uma cura interior, por meio de
remédios prescritos pelo “médico dos médicos”. Isso para que se atinja a
perfeição. É a única maneira de se atingir a paidéia cristã.
2.4 Agostinho de Hipona
Agostinho (354-430) nasce no norte da África. É educado a partir do trivium (gramática e retórica), numa perspectiva mais latina do que grega. O pai de Agostinho era pagão, sua mãe Mônica era cristã. Ela o influenciou fortemente. Se cativou por filosofia após ler Virgílio, Cícero. Estudou e ensinou retórica em diversos lugares, como Cartago. Entre seus doze anos seguindo Mani, seita maniqueísta; ceticismo, e sua conversão ao cristianismo, onde os sermões de Santo Ambrósio foram fundamentais, Agostinho teve um filho (pouco falado) chamado Adeodato. Em "De magistro", um diálogo entre pai e filho é colocado:
"Agostinho: Mas como aprender? Adeodato: E como aprenderíamos senão perguntando?” (p.13)
Sua visão permeia suas grandes obras, como Cidade de Deus e Confissões,
mas aqui conhecemos um Agostinho mais educacional, procurando conduzir o seu
próprio filho. Antes, de se desfazer de tudo, e nascer a ordem dos
agostinianos, antes de ser um dos grandes pastores em Hipona, rasgar o coração,
e fomentar o intelecto por meio de textos e sermões, foi no lar, na relação um
para um, que Agostinho se agigantou, para a glória de Deus.
A maior característica da educação cristã é a harmonia com o conhecimento prático, ele nem enfatiza uma prática sem o uso da razão, e nem valoriza uma cognição que não se concretiza em atitude. Por exemplo, o Amor ao próximo. Não é possível aplicar esse conceito sem um entendimento racional do mesmo, porém, não é possível entender racionalmente sem a ação prática ao outro.
É nisso que se constitui uma educação repletamente cristã. Uma educação que aprende sobre todos os eixos do ser, as ciências, as artes. Mas que não faz isso para seu próprio proveito, ou interesse; faz isso por causa, por meio e para Cristo e para se parecer a cada dia com Ele.
4. Referências
AGOSTINHO,
Santo; AQUINO, Tomás de. De Magistro.
Campinas – SP: Kírion, 2017.
Agostinho de Hipona. Pais da igreja. Disponível em:
<https://www.ebiografia.com/santo_agostinho/>. Acesso em: 03 Out. 2021.
ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda. História da
Educação e da Pedagogia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.
CLEMENTE et al. Pais Apostólicos . 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2017.
CLEMENTE. O
Pedagogo . 1. ed. Campinas - SP: Ecclesiae, 2013.
Clemente de Alexandria. Pais da igreja. Disponível em:
<https://paodiario.org.br/publicacoes/dia-a-dia-com-os-pais-da-igreja/clemente-de-alexandria/>.
Acesso em: 03 Out. 2021.
(Texto apresentando em uma das trilhas da disciplina de Raízes Históricas da Educação Cristã)
Por: Jefferson de Melo.
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