domingo, 19 de dezembro de 2021

A EDUCAÇÃO NAS ESCRITURAS. Formal e Informal.


 1.      INTRODUÇÃO

Uma grande marca daqueles que se preocupam com o conteúdo bíblico se constitui na tentativa de responder as perguntas: “Como se dá o conhecimento de Yahweh ao longo da história?” “Será o ser humano, adjunto a Deus, também agente da santa instrução aos homens?” “E mais, está só é concebida por via de um processo educacional?”

Uma outra marca importante a ser pensada é a que se encontra nos educadores, de modo mais geral, profissionais públicos e privados de ensino, que querendo ou não interpretam os dilemas da sociedade que estão inseridos. Tentam responder às perguntas: “Qual fundamento é confiável, para a partir dele ensinarmos algo?” “Quais os métodos que foram provados pelo tempo, e cooperam no projeto de vida das crianças?” “Aqueles que colocam o educador no seu devido lugar, e não de ator principal da inversão de função: pais e professores?”

O artigo: “A relevância do ensino formal e informal nas escrituras: exemplo a ser observado na contemporaneidade de Marivete Zanoni Kunz, publicado na Revista Via Teológica – Vol. 17 – Nº 34 –Dez/2016” procura trazer um horizonte as perguntas descritas acima, cujo são de extrema importância para os dias atuais.

O artigo se volta ao texto bíblico, observando a educação por vias formais e informais, do Antigo ao Novo Testamento. É importante lembrar que a bíblia não formaliza nenhum sistema educacional formal, ainda mais nas estruturas que conhecemos. Procurar um padrão imutável, que não respeita o espaço e o tempo seria forçar um anacronismo que as escrituras não se propõem fazer. Porém, fundamentos, pilares e referências são possíveis; assim como o reformador João Calvino retirou e aplicou em Genebra, por exemplo.

A ênfase da bíblica, principalmente ao Antigo Testamento, se dá ao que chamamos de educação familiar, a primeira esfera de ensino, via informal. A discussão moderna sobre homeschooling, pode ser melhor investigada a partir da narrativa do povo de Deus como referência, evitando os jargões, “da introdução ao isolamento social das crianças”. 

Entretanto, o Novo Testamento se encontra em um contexto onde as sinagogas e diversas escolas filosóficas estão estabelecidas. Os currículos aqui eram bem mais formais e plurais, e os pais já dividiam com os professores a responsabilidade da formação das crianças, adolescentes e jovens; onde cada um possui o seu devido lugar.

A seguir veremos melhor a problemática que conecta os dois testamentos (antigo e novo) e os dois tipos de educação (formal e informal), onde os pais são os primeiros educadores, e posteriormente os profissionais assumem a tal função. É de extrema importância verificar o entendimento bíblico sobre tais relações, além da educação religiosa (não formal), onde podemos posteriormente contrastar, discentes cristãos com não cristão, para mostrar as diferenças pressuposicionais deles, ou simplesmente da cosmovisão em relação ao ser humano, o mundo que o cerca e da realidade que vive.

 

2.      IDEIAS BÍBLICAS SOBRE EDUCAÇÃO FORMAL E INFORMAL

Para se ter educação, é necessário a pessoa do educador. Apesar das pedagogias modernas enfatizarem uma “autonomia deliberada” por alunos, onde ele não precisaria mais de um instrutor ou mesmo orientador, já que de si para si conseguiria estabelecer o seu projeto de vida, aqui numa visão bíblica, seja por vias formais ou informais, esse tipo de entendimento não é considerado.

Aliás, o educador é figura importantíssima na narrativa bíblica, sendo destacado por Deus em diversos momentos como um servo de todos, aqueles que por meio da graça auxiliam as pessoas a aprenderem mais sobre a escritura, si mesmas e as coisas criadas.  Em síntese, o educador é o responsável pelo procedimento de ensino formal, informal e não formal, estes agentes atuam em escolas, famílias e igrejas. Aqueles que não terceirizam esta vocação.

É válido dizer que mesmo Deus sendo nosso mestre, ele “usa” agentes para a tarefa do ensino. Estes, mesmo guiados pelo espírito santo, precisam se capacitar sempre, já que seus pressupostos precisam estar claros, e as questões transitórias também. Se nas famílias os pais devem ensinar ritos, dar instruções, contar histórias e aplicar correções os seus filhos (entendendo quem ele é), os professores devem seguir a formação da criança partindo de sua identidade, ensinando elementos da antiga “artes liberais”, e atual currículo escolar (entendendo o mundo que o cerca). Tanto a formação voltada ao autoconhecimento, pertencimento e ofício, devem partir de uma visão bíblica, tanto a partir do Antigo como do Novo Testamento, assim como veremos a seguir.

 

2.1  Ideias no Antigo Testamento

 

“Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças. E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te. Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa, e nas tuas portas”. (Deuteronômio 6.4-9)

 

Torah significa “a Lei” de Deus. O pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia Hebraica) possui em seu âmago essa condição. Mas, observando e considerando o conceito mais profundo que apenas o conceito jurídico, observamos que a ideia se conecta com o ensinar, educar e instruir, os homens na lei de Deus.

Ao povo de Israel, era nítido a importância do conhecimento, tanto no aspecto religioso quanto ao aspecto da vida comum. Na mentalidade judaica não existe uma dicotomia grega, ou melhor, platônica entre as “coisas espirituais” e “coisas materiais”, onde as “coisas espirituais” pertencem a um plano superior, devem ser mais valorizadas. Moisés desde o início mostra, por meio dos dez mandamentos, que os dois aspectos se complementam ao tratarmos de honrar a Deus. As cerimônias eram importantes, mas a vida comum, do dia-a-dia não ficava atrás.

Por entender o valor do conhecimento, e de que todos provêm do Deus que os libertou das mãos de faraó, o povo responde o chamado divino de ser exemplo as nações vizinhas, no desejo de comunicar as verdades dos céus, com ações educacionais internas. O povo, em sua completude, começa a ser alfabetizado, tanto por vias orais, quanto por meio da memorização inicialmente. A leitura e a interpretação são etapas seguintes nesse processo, que fez filhos tanto de ricos quanto de pobres serem instruídos.

 Métodos pelos quais os alunos eram ensinados no Antigo Testamento:

a.       Repetição e exemplo (Dt. 11.19)

b.      Leitura pública (Dt. 31.10-13)

c.       Música escrita (Dt. 31.19)

Essa tríade se conecta à narrativa bíblica, e a encenação da história de Israel traz à tona todos esses elementos. Com a ascensão profética, onde esses são “boca de Deus”, temos a realização de tal ministério por meio do ensino, com profetas educadores, onde por vias pedagógicas se pregava, e também professava um ideal de justiça cívica. Não havia grandes dicotomias aqui.

Às vezes se tem a ideia de que as sociedades tribais e antigas são subdesenvolvidas, ignorantes, etc. Não ratificamos isso nem em livros de história, muito menos na bíblia. A arqueologia comprova que em Ur, Mesopotâmia e Egito existiam escolas, logo, podemos até mesmo pensar em educação formal nesse tempo, apesar da ênfase ser no núcleo familiar, onde o pai e mãe possuem a responsabilidade de ensinar a lei e um ofício para a criança. Estas não são consideradas inocentes, mas como o futuro de Israel, onde os pais iniciavam o processo formativo, e posteriormente os sacerdotes assumiram também o papel de educador.

A educação possui uma importância muito grande no drama das escrituras. Em uma de suas passagens, mostra a tarefa pública que se deve a ter o conhecimento, onde o sacerdote Esdras se põe de pé perante toda a congregação e abre, lê e explica o sentido do livro, no desejo que todos o entendam. (Neemias 8.1-8)

 

2.2  Ideias no Novo Testamento

 

E, chegando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos. Amém. (Mateus 28.18-20)

 

Nos tempos de Jesus existiam escolas primárias e secundárias, com apreço no conhecimento cultural, não científico ainda. Havia um sistema de educação bem estabelecido, com destaque as sinagogas. Após a escola primária, existia um curso específico para alunos que quisessem aprofundar os seus saberes, essa formação seria feita nas escolas em Jerusalém, com grandes doutores da lei (rabinos).

Dentro desse contexto, pensamos na questão: Qual tipo de conhecimento que Jesus “não considera”? É possível, aquele que inicia a partir do não reconhecimento de sua divindade (Ele é o Logos) e da sua humanidade (Ele é Rei). Fugindo dessas duas faces da mesma moeda, todo conhecimento adquirido, até mesmo verificado como “verdadeiro”, perde sentido e significado, pois parte de uma autonomia desenfreada.

 Servir a Cristo não é um movimento em prol ao Anti-intelectualismo, negando as faculdades mentais e a razoabilidade, porém, ela é condição preposicional para qualquer conhecimento adquirido. Exemplos por meio de doutores da lei, interpretação e escritos em pé de igualdade com a Torah, partidarismos onde algumas pessoas não possuem oportunidades, são apenas alguns pontos que o próprio Jesus questionou nos seus dias. 

O Mestre por excelência ensinava as multidões, e sua moral excedia a dos príncipes das sinagogas. Em Jesus não temos apenas um conhecimento cognitivo, mas relacional. Uma vida envolta, onde a teoria e a prática não se desvinculam.

A memória deveria ser a base para um estilo próprio, e a dimensão bíblico-teológica deveria afetar todas as áreas do saber, da retórica a lógica, das artes as ciências. Aqui, temos uma “Paidéia greco-romana”, uma visão da realidade que ainda tinha a família como núcleo fundamental para a formação, mas que “partilha a responsabilidade” com muito mais afinco. O jovem pertencia à cidade/ estado, e o cidadão precisa ser formado. As ideias gregas invadem o imaginário judaico e heleniza aos poucos, as mentes e os corações do “povo do livro”. Observamos que uma das implicações da educação, é a evitar a imposição de outros, e a defesa, em relação ao seu próprio povo. Lembremos de Paulo, que dentre tantos pedidos, solicita pergaminhos e livros. (2 Timóteo 4.13).

 

3.      CONCLUSÃO

Os libertários diriam que ensinar as disciplinas em casa, e fazer um teste na escola seria eficaz, nos dias em que vivemos. Outros diriam que professores possuem um repertório para lidar com as crianças, e que o lugar delas é socializando e resolvendo problemas.

Atualmente tudo é muito rápido, e a única maneira de acompanhar esse ritmo frenético é se tornando um eterno aprendiz, considerando a cultura e o “homem moderno”. Não estou dizendo que valores, como a fé devem ser exterminados, estamos procurando mostrar que devemos ensinar, por vias “formais, informais e não formais” em dias líquidos. E o que ensinar? Algo sólido! Solidez que só consigo encontrar nas escrituras.

Sabendo o que e como ensinar, não caindo em extremismos, nem manipulando suas escolhas, enfatizamos os agentes educadores, que em casa começam trabalhando com a intelectualidade, espiritualidade e o caráter, e depois, num esforço conjunto, já que ninguém educa sozinho, se instigar no aluno a resolver problemas por si próprio, a andar sozinho, reconhecendo o coletivo. A seriedade desse trabalho mostra que o informal precede o formal, porém se faz necessário harmonizá-los do que torná-los excludentes.  


(Texto apresentando em uma das trilhas da disciplina de Fundamentos Bíblicos da Educação)

Por: Jefferson de Melo.

domingo, 12 de dezembro de 2021

A EDUCAÇÃO CRISTÃ NA ANTIGUIDADE

1. Introdução. Aspectos bíblicos-teológicos

A pessoa de Jesus Cristo, e todo o seu ensino, implica em uma fundamental reinterpretação da narrativa histórica. Não só depois de sua encarnação e ressurreição (d.C.), mas também antes (a.C.), com o que chamamos de anúncios de enredo, onde desde as origens (Gênesis 3.15) uma promessa é feita a humanidade, a de que após a Criação divina e a Queda dos homens, viria um, que pelo ministério da reconciliação, traria Redenção.

Com a direção de Deus pai (Yahweh), e expectativa no Deus filho (Messias) o povo hebreu surgiu, e a partir dessa ótica a sua educação foi manifestada. Desde o Tribalismo, no período patriarcal, a formação era realizada, no ambiente familiar, por vias orais e por meio do exemplo.

Já no desdobramento da história, na Antiguidade, observamos o ensino para a formação dos dirigentes. Esse movimento é visto nas escrituras, no sermão de Estevão, onde cita a educação de Moisés dentre os egípcios (Atos 7.22).  Após a formação da Torah, a lei; o povo de Deus é educado, através dela. Deixa-se claro que a orientação não era apenas para eventos cerimoniais, mas sim para uma vida digna perante o Senhor. Veja o decálogo (Êxodo 20.1-17).

No período da monarquia, a educação era pensada pela ótica do estudar, interpretar e copiar; e assim começou-se a investir em doutores, especialistas da lei. Neste período, após a chamada "Conquista", o estabelecimento do povo e o "Reino Unificado", diversos salmos foram compostos (A música tem um papel importante, pedagógica, pegando grandes ideias, e formando prosas sintéticas). Salomão, o mais sábio dos reis, fomenta a sabedoria, escrevendo diversos provérbios, o livro de eclesiastes e “um cântico” para sua amada. 

A educação voltada à lei do Senhor é vista em sacerdotes e profetas. Ela envolve a cognição destes homens, estudo e inspiração. Mas antes de tudo, a sua devoção a Deus. As “palavras” do Senhor, tanto as já escritas, quanto as declaradas, são vistas no período do cativeiro com muita atenção, já que após o reino ser dividido e sucumbido pelo domínio estrangeiro se criou uma expectativa enorme em relação a restauração de Israel. Paralelamente a isso vemos a ascensão das sinagogas. Por fim, a educação no antigo testamento já evidencia uma preocupação com a aprendizagem das crianças, subdividindo as etapas de aprendizagem. (Um problema recorrente nas sociedades futuras).  

Olhando panoramicamente para o novo testamento, se percebe formas de educação já estabelecidas; tanto para a formação do cidadão romano, quanto para os eruditos judeus, dentre outras. Neste contexto, Jesus era mestre, desde sempre (Lucas 2.46-47), e os seus seguidores já percebiam que havia uma distinta educação em relação às demais, com relação à forma, ele não ensinava como os demais, ele tinha autoridade (Mateus 7.28-29), e também o conteúdo em relação ao estabelecido, sendo o Reino de Deus o seu refrão mais forte. Era o mais puro conceito de educação cristã.

 

2. Apropriação da educação pelos primeiros cristãos

Os Pais apostólicos são os discípulos dos discípulos de Cristo. Os seus contextos sociais são diferentes daqueles que andavam com Jesus. Também a diferença entre os mesmos, mesmo vivendo em períodos próximos. Por isso devemos ter cuidado com anacronismos e apropriações histórico-culturais. Após a ascensão do mestre, a sua igreja já diverge em alguns pontos. Era necessário para todos, a compreensão do que realmente é fundamental.

A igreja se expandiu, mesmo em tempos de repressão estatal. Além disso, cismas e heresias se tornaram problemas dentro das comunidades de fé. Então, era necessário se apropriar da educação, para um melhor serviço cristão. Em 2017, prefacia Alderi Souza de Matos:

“Não encontramos neles as reflexões teológicas profundas - e muito menos as elaborações filosóficas - que irão caracterizar muitos escritos cristãos posteriores. Antes, são declarações de uma fé e piedade sinceras, revelando acima de tudo um interesse pastoral e prático. Sua principais preocupações são a paz, a unidade e a pureza da igreja”. (p.7)

 

Em síntese, alguns pais apostólicos procuraram não dicotomizar a educação, mas sim se apropriar daquilo que julgavam bom. Eles não fizeram um gueto, mas procuram a todo momento um diálogo. Entendiam que o currículo das Artes Liberais era fundamental para a formação do cidadão-cristão.

A formação formal” deveria ser a mesma para todos, segundo estes. Mas ao cristão, estes aprendizados deveriam apontar para a glória de Deus, a eternidade. Este deveria ser o grande ponto de divergência. Assim, sem “papel evangelistico” para uma sala de aula, para justificar tudo, as pessoas iriam sentir falta de sentido e significado. Assim, “curiosos”, participaram de uma catequese, formação informal, por meio da qual a igreja se responsabilizaria.


2.1 Escolas catequéticas e catedráticas (séculos II a V d.C)

Era necessário a formação de novas escolas, para as novas problemáticas da época. Os cristãos precisavam se preparar para os ataques que sofriam. Era necessária uma preparação formal, tanto para as artes liberais, quanto dos escritos sagrados. Os cristãos precisavam defender a sua fé (apologia).

As escolas catequéticas, nascem com esse intuito. Em Alexandria, no Egito temos a mais proeminente delas, conhecida como um dos grandes centros de educação da época. Era a “teologia” cristã, sendo ensinada pelo arcabouço da filosofia grega. Esse casamento quase "perfeito", ruiu, a partir do método alegórico aplicado por Orígenes. Era uma tentativa de aplicação do plantonismo ao judaísmo, dando a entender que só é possível compreender as escrituras por uma lente “intelectual” e “obscura”. Já a escola de Antioquia, na Síria, valorizava o sentido literal do texto bíblico, chamado método-histórico, caracterizando menos problemas hermenêuticos, a priori.

Já as escolas catedráticas são alinhadas com os prédios das grandes igrejas que vão surgindo. Elas eram muito bem cuidadas, em vários sentidos, como o de supervisão, quanto de estruturação. O crescimento dessas escolas fortalece o seu bispo, tanto de modo político, quanto econômico, elevando o seu próprio ego. Além disso, era possível que a falta de propósito as instituições pudessem tirar o foco da formação "religiosa" ali presente.   

 

2.2 A Paidéia Cristã

Havia uma riquíssima tradição greco-romana, e assim percebemos que o cristianismo não se propaga no vácuo. É nesse enredo que a paidéia, o mais alto e elevado conceito de homem, do ideário grego, que o cristianismo se apropria do termo. Segundo Aranha:

“Não se pode evitar o emprego de expressões modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma delas, porém, realmente coincide realmente com o que os gregos entendiam por paidéia. Cada um daqueles termos limita exprimir um aspecto daquele conceito global e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez” (apud Werner Jaeger, 2006, p.62)


Em síntese, era a obtenção do melhor que a paideia poderia estabelecer, entendendo que este homem “perfeito”, buscado e valorizado, já andou por aqui, e que os cristãos prioritariamente, precisam imitá-lo. Essa visão holística, integral, possui adereços gregos; porém a fisionomia de Cristo, a ser seguida.   

 

2.3 Clemente de Alexandria

Clemente (155-220), era grego, ateniense. Sua educação foi dada a partir das artes liberais. Tornou-se cristão a partir de seus estudos. Sabe-se pouco sobre o início de sua vida, mas sabemos que ele procurava os melhores professores da época, o levando a Alexandria. Clemente sucedeu Panteno, seu mestre, na escola de Alexandria, e procurou harmonizar a filosofia grega, principalmente a ética platônica, com a teologia cristã. [Apenas esse assunto de justiça, em Jesus e Platão, daria uma grande discussão].

Clemente não tinha problemas com a cultura judaica, e nem a grega. Acreditava que poderiam ser normalmente harmonizadas. Por essas e outras foi fundamental para desenvolver o conceito de paideia cristã, por meio de suas atribuições apologéticas. Segundo Clemente:

“No entanto, da mesma forma que um corpo atingido por uma enfermidade necessita de um médico, aqueles que têm o espírito doente necessitam de um diretor espiritual que lhe possa prescrever remédios contra as suas paixões; tem necessidade de um doutor que os instrua, que os faça apreender as máximas da Santa Doutrina, e ao mesmo tempo em que, com todo cuidado, conduza -os ao mais alto grau de perfeição através das regras de mais exata disciplina”. (p.21)

 

Em sua obra, "O pedagogo", Clemente enfatiza a necessidade de uma cura interior, por meio de remédios prescritos pelo “médico dos médicos”. Isso para que se atinja a perfeição. É a única maneira de se atingir a paidéia cristã.

 

2.4 Agostinho de Hipona

Agostinho (354-430) nasce no norte da África. É educado a partir do trivium (gramática e retórica), numa perspectiva mais latina do que grega. O pai de Agostinho era pagão, sua mãe Mônica era cristã. Ela o influenciou fortemente. Se cativou por filosofia após ler Virgílio, Cícero. Estudou e ensinou retórica em diversos lugares, como Cartago. Entre seus doze anos seguindo Mani, seita maniqueísta; ceticismo, e sua conversão ao cristianismo, onde os sermões de Santo Ambrósio foram fundamentais, Agostinho teve um filho (pouco falado) chamado Adeodato. Em "De magistro", um diálogo entre pai e filho é colocado:

"Agostinho: Mas como aprender? Adeodato: E como aprenderíamos senão perguntando?” (p.13)


Sua visão permeia suas grandes obras, como Cidade de Deus e Confissões, mas aqui conhecemos um Agostinho mais educacional, procurando conduzir o seu próprio filho. Antes, de se desfazer de tudo, e nascer a ordem dos agostinianos, antes de ser um dos grandes pastores em Hipona, rasgar o coração, e fomentar o intelecto por meio de textos e sermões, foi no lar, na relação um para um, que Agostinho se agigantou, para a glória de Deus.


 3. Considerações Finais 

A maior característica da educação cristã é a harmonia com o conhecimento prático, ele nem enfatiza uma prática sem o uso da razão, e nem valoriza uma cognição que não se concretiza em atitude. Por exemplo, o Amor ao próximo. Não é possível aplicar esse conceito sem um entendimento racional do mesmo, porém, não é possível entender racionalmente sem a ação prática ao outro.

É nisso que se constitui uma educação repletamente cristã. Uma educação que aprende sobre todos os eixos do ser, as ciências, as artes. Mas que não faz isso para seu próprio proveito, ou interesse; faz isso por causa, por meio e para Cristo e para se parecer a cada dia com Ele.


4. Referências

AGOSTINHO, Santo; AQUINO, Tomás de. De Magistro. Campinas – SP: Kírion, 2017.

Agostinho de Hipona. Pais da igreja. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/santo_agostinho/>. Acesso em: 03 Out. 2021.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação e da Pedagogia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2006.

CLEMENTE et al. Pais Apostólicos . 1. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2017.

CLEMENTE. O Pedagogo . 1. ed. Campinas - SP: Ecclesiae, 2013.

Clemente de Alexandria. Pais da igreja. Disponível em: <https://paodiario.org.br/publicacoes/dia-a-dia-com-os-pais-da-igreja/clemente-de-alexandria/>. Acesso em: 03 Out. 2021.


(Texto apresentando em uma das trilhas da disciplina de Raízes Históricas da Educação Cristã)

Por: Jefferson de Melo.